quinta-feira, 21 de junho de 2012

Mineiros espanhóis em luta

APOIO AO CONFLICTO MINEIRO (Em Leão e nas Astúrias) E REFLEXÕES SOBRE O MESMO



Todos temos estado a assistir nas últimas semanas a uma nova edição de uma das lutas operárias mais históricas de Espanha, a luta mineira. Não é a primeira vez e provavelmente tampouco será a última deste âmbito, já que o sector das minas, ainda que em recessão, ainda terá muito a dizer.

Contudo, apesar de se caracterizar por confrontos algo mais cruentos do que aquilo a que estamos acostumados, esta luta não está a ser retransmitida nos meios de comunicação com a honestidade que merece. Tampouco isso se trata de algo que nos deva surpreender e muito iludidos estarão aqueles que pensem que aqueles meios são neutros e que procuram a veracidade da informação como os próprios gostam de se caracterizar.
Os “mass-media”estão ao serviço do Capital e de quem governa o país, quer dizer, os que os pagam e que os financiam não são senão os mesmos que movem os fios da política e da economia, empresários e políticos. É importante antes de ler o jornal ou ver o telejornal questionar-se  sobre se essas notícias procuram a verdade ou se pelo contrário tratam é de condicionar na medida do possível o pensamento da sociedade segundo os seus interesses. E quais são os interesses do estado e do capital, de políticos e empresários, nestes momentos de crise económica e financeira? Provavelmente a sua prioridade, ainda que não revelada de forma aberta mas sim subtilmente, seja a “carneirização” da população, dando ópio ao povo  para que não seja claro e este não se torne consciente de que a força é nas suas mãos que está, que a riqueza e a produção cria-a quem trabalha, quer dizer, os trabalhadores, enquanto que políticos e empresários somente desfrutam do trabalho alheio.
Futebol, Grande Irmão... transmitem-nos todo o tipo de distrações para o nosso tempo-livre enquanto a poucos quilómetros das nossas casas estão a haver autênticas batalhas campais entre mineiros e polícia, como se tivéssemos voltado 70 anos atrás e estivéssemos nos tempos das guerrilhas. Mas isto que mal sai nos jornais e telejornais, no entanto, ESTÁ A ACONTECER AGORA E É NOTÍCIA!
Desde há não muito tempo e ainda agora, o espírito da luta operária continua vivo. Não devemos esquecer que os direitos de que desfrutaram os trabalhadores até há bem poucos anos (ainda que tristemente estejam em retrocesso) foram conseguidos com o suor e o sangue dos nossos avós. A jornada das 8 horas e os dois dias de descanso semanal não foram outorgados pela bondades de nenhum patrão mas sim pelas exigências dos trabalhadores em lutas provavelmente violentas.
Por estas mesmas razões, as lutas que estão a manter os mineiros asturianos e lioneses merece todo o nosso respeito, mesmo apesar das críticas que se possam fazer aos fins da mesma. Trata-se de uma luta de trabalhadores por  manter os seus postos de trabalho, o futuro das suas famílias e da sua terra, porque nas zonas mineiras não outra coisa para além da mineração, como eles dizem. Uma luta de base, daqueles que trabalham, e na rua, e não uma negociação de líderes sindicais nos escritórios da patronal. O braço-de-ferro que os mineiros estão a manter com mo governo e com o seu braço armado, a polícia e a guarda civil, é exemplar quanto às formas.Trata-se de uma legítima defesa do seu futuro, frente a um decreto que não teve em conta esse mesmo futuro. Por isso não se deve confundir com o uso  da violência gratuita mas deve ser vista sim como defesa frente a uma agressão. Se eloes nos tratam com violência nós faremos o mesmo. Miséria, despedimentos, salários de merda, horas extras, acidentes laborais, cortes e privatizações, isso sim, é que é violência!

Os mineiros têm uma sindicalização da ordem dos 90% ou mais e muitas das suas lutas caracterizaram-se pelo confronto direto. O SOMA (Sindicato de Operários Mineiros das Astúrias) pertence às centrais sindicais maioritárias ainda que sempre se tenham considerado a si próprios como “dissidentes sindicais”, quer dizer, a sua trajetória não seguiu os trâmites normais mas sim, de uma ou de outra maneira, decidiram as suas lutas de forma horizontal. Neste caso, apesar da presença dos ditos sindicatos maioritários, não parece que os cortes de estradas sejam aprovados pelos sindicatos, como sucedeu noutros confrontos mineiros. Neste caso não parece que sejam os sindicatos que tenham a palavra decisiva mas são sim os trabalhadores, mesmo que filiados em sindicatos “vende-operários”, quem luta pelo seu futuro laboral, como a lógica o dita.
Por outro lado, percebe-se nos meios de informação alternativa que o braço-de-ferro mantido até agora com o governo, é relativamente equilibrado, inclusive numa ou noutra ocasião foram os polícias quem “teve de retirar”. Será isto possível? Será que os mineiros beberam poção mágica do caldeirão? Provavelmente a situação mais lógica será a de que o governo não queira fomentar um confronto drástico mas sim, provavelmente, jogar no desgaste, de maneira a que se não perceba demasiado a violência policial, cada vez mais na boca de todo o mundo. 
Portanto, da mesma forma que podemos dizer que o espírito e as formas da luta existente são muito positivas, também podemos dizer que os objetivos que com ela se perseguem não serão tão admiráveis como parece. Existem alguns aspetos que é necessário analizar antes de apoiar a luta com os olhos fechados.
No fim de contas, o conflito surgiu porque foram reduzidos substancialmente os  subsídios para a indústria mineira no orçamento do estado, aprovados até ao ano de 2018. Nesses subsídios, uma parte muito importante do orçamento está destinado  à reconversão do sector, quer dizer, para teoricamente criar novos sectores produtivos nas zonas mineralíferas que possam substituir a pouco e pouco a indústria mineira e para que existam oportunidades nessas regiões. Este tipo de subsídios existem desde há muitos anos, pelo que já desde há muitos anos fora previsto ir desmantelando o sector a pouco e pouco.O grande problema que surge agora é que esses fundos para a reconversão não foram empregues em reconverter nada, nem se  empregarão , por mais que continuem  a existir, por um problema de raís. Atualmente os mineiros estão a lutar pela prorrogação de uns fundos que eles não recebem mais sob o conceito de um salário e que vão diretamente para os empresários mineiros, não para o sector mineiro e para os seus trabalhadores, que cremos que são quem deveria de criar novas alternativas económicas com esses fundos. Todos os subsídios recebidos  serviram para manter o sector, sim, para renovar a maquinaria, também, mas não criaram  futuro nas regiões. Em todo o caso converteram-se em bolsas de estudos para os filhos dos mineiros, em estradas, em universidades e em polidesportivos.
Não parece portanto que manter os subsídios seja uma solução para o problema, para além do facto de que estes estão previstos somente até ao ano de 2018. No caso dos mineiros ganharem o atual braço-de-ferro, que se passará depois de 2018 com as autarquias mineiras? As pessoas terão que emigrar, tal como vamos vendo nos lugares onde já se desmantelaram as minas. Apesar das potencialidades do território, não ficará nada. Apesar das lutas, o futuro da gente das zonas mineiras apresenta-se tão negro como o carvão.
Na base disto, porventura a solução poderá passar por exigir ao governo e aos empresários mineiros que a riqueza gerada pelo sector mineiro se use na reconversão real para outros sectores, na mão das pessoas que vivem nessas terras. Os grandes empresários do carvão nacional continuarão a ter os seus privilégios quando a industria mineira desaparecer, enquanto que, as pessoas que habitam essas terras, terá que se ir embora. Este facto é intolerável e toda a riqueza gerada é propriedade dos trabalhadores, que são quem agora tem a responsabilidade de exigir tomá-la como sua para criar oportunidades à margem do carvão. Não queremos empresários que se afundam a si próprios por pagar aos seus trabalhadores nos períodos de greve, nem são precisos filhos de mineiros universitários que tenham de ir viver para outros lugares para trabalhar, mas sim futuro para as aldeias mineiras.
 Outra alternativa perante o conflito é exigir ao governo e às empresas elétricas o uso do carvão nacional. Outra percentagem dos subsídios à indústria mineira que atrás comentávamos, e o argumento dos que a querem desmantelar de uma penada, é que o carvão nacional não é rentável. Atualmente e desde já há alguns anos, o sector mineiro em Espanha precisa de ajudas para se sustentar porque é vendido às empresas elétricas a preço abaixo do seu custo. Isto acontece porque o carvão espanhol está a competir com o carvão estrangeiro, produzido em países como a China, onde é vendido muito mais barato. O livre mercado faz com que seja muito mais rentável trazer carvão do outro  lado do mundo do que consumir o das terras mais próximas. E porque é que é mais barato? Por questões tão simples como o facto de as condições laborais serem muito mais precárias e os salários mais baixos . E tudo isto apesar dos custos de transporte, que sob um ponto de vista lógico tornariam mais caros os preços.
Em resumo, o nosso país está em crise e o governo anda numa de cortes, pelo que não merece a pena manter as empresas mineiras espanholas, já que por si sós não são um negócio rentável. Entretanto, as empresas elétricas continuarão a consumir carvão, ainda que estrangeiro, produzido em minas onde as pessoas se estão a envenenar por uns salários de merda e numas condições lamentáveis. Enquanto este aberrante e incompreensível facto marca o futuro dos países e das suas gentes, nós deveríamos parar para pensar em que se não começamos a guiar-nos pela coerência, os problemas mundiais não farão mais do que piorar.
 É possível que devamos começar a ter em conta que o mundo do livre comércio não tem sentido, sobretudo se neste comércio “vale tudo”. A responsabilidade social não pode permitir que se consuma uma energia que se tenha produzido a milhares de quilómetros em condições de semi-escravatura, pelo que é responsabilidade de todos apostar num consumo energético local, assumindo os custos reais da sua produção.
O desmesurado e crescente consumo energético atual carece de lógica num mundo onde os recursos são finitos. O crescimento  em que apostam os estados como única alternativa à crise, está sentenciado de morte uma vez  que os recursos com que conta o planeta são limitados e acessíveis apenas a uns poucos. Os países desenvolvidos devem assumir a responsabilidade do seu consumo real e deixar de uma vez de viver à custa dos países pobres, dos custos de produção baratos que ali se verificam, à custa da vida dos trabalhadores e da saúde ambiental das suas terras. Por isso, se decidirmos consumir carvão porque o nosso consumo energético assim o requer, ao menos que ele seja produzido localmente, para assumir o custo real da sua produção e o impacto ambiental que ele origina. Somente neste caso poderá ser que comecemos a concluir que um consumo assim tão desmedido, não só não é necessário mas que é mesmo prejudicial e nocivo.


Sindicato de Oficíos Vários de León (CNT-AIT)
18 de Junho de 2012
                                                                                                                                  (Espanha)



Texto original em :


http://leon.cnt.es/2012/06/18/apoyo-y-reflexones-acerca-del-conflicto-minero


2 comentários:

  1. Como se diz acima no comentário da nossa organização irmã espanhola, a CNT/AIT, apesar da maioria dos mineiros de Leon e das Astúrias na sua maioria estarem filiados nos sindicatos das confederações sindicais "normais"- e tantas vezes pactuantes com os patrões (CC.O0., UGT, etc.)- os sindicatos mineiros sempre foram muito mais aguerridos e as suas lutas organizadas horizontalmente, de forma libertária e recorrendo à acção directa colectiva- e muitas vezes ultrapassando os ditames dos próprios chefetes das centrais.

    A sua luta actual soma-se como mais um exemplo a seguir -como foi por cá a luta dxs operárixs da Cerâmica de Valadares, em Fevereiro e Março, quando ocuparam a fábrica contra os atrasos dos seus salários- a outras.

    Só que ali, na região mineira do Norte de Espanha, os trabalhadores não brincam quando Estado e Capital ameaçam a sua sobrevivência, a dos seus e a de toda a região...E vão até às últimas consequências pois nada têm a perder!

    (Quem escreve estas linhas teve a honra de participar como operário/mineiro numa das suas lutas, ainda no tempo do Franco, em 73, em Alto Bierzo, e nem a "guardilha" nem nenhum fascista, nem nenhum patrão aguentava a dureza das suas lutas!...).

    Honra e Dignidade aos mineiros e às suas companheiras e população de Leão e das Astúrias em luta! Viva a luta de classes! Viva o Anarco-sindicalismo!

    José Rocha

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  2. o exemplo a seguir seria o da união.mas em COERÊNCIA de esforço e objectivo.
    o que vejo por aqui é futebol...
    e os que sabem bem quem é o inimigo,tem que juntar ainda a inveja dos seus pares...e isto não é ignorância a esclarecer!é má cultura!

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