terça-feira, 7 de maio de 2013


A COMUNA DE PARIS DE 1871 E A SUA INFLUÊNCIA EM PORTUGAL

A 18 de Março de 1871 o proletariado e o povo parisiense, entalado entre a ameaça da invasão prussiana, a burguesia  e o governo colaboracionista de Thiers e de Napoleão III , proclamava a Comuna de Paris…

 
“Mais que “a última revolução plebeia” ou a “primeira revolução proletária”, a Comuna foi uma experiência de autoinstituição, um evento  que possui autonomia; não apenas por sua ousadia, mas por suas singularidades. Por tudo isso, tornou-se “uma linha divisória dos tempos” – e, simultaneamente, dos pensamentos, costumes , curiosidades, leis e das próprias línguas – estabelecendo um antes e um depois absolutamente antagónicos e aparentemente irreconciliáveis”.  Processo no qual “a revolução é um nó- simultaneamente resultado e mediação  para que a autotransformação da sociedade possa prosseguir”. Certamente não foi o fim de um ciclo, menos ainda o início de outro; mas a fronteira, um marco que não se presta a transformar-se em linha de chegada ou partida , mas que definiu nas suas práticas concretas os elementos fundamentais da democracia popular no seculo XIX”.

(da capa do livro “NEGRAS TORMENTAS – O FEDERALISMO E O INTERNACIONALISMO NA COMUNA DE PARIS”, de Alexandre Samis – edit. HEDRA, São Paulo, 2011        - nota: em consulta na biblioteca/infoteca popular da Terra Viva!AES – Porto )

Em Portugal os ecos da Comuna chegavam aos trabalhadores pela mão dos socialistas de então, muito mais influenciados pelas ideias e pontos de vista de Proudhon e  mais ou menos por Bakunine do que por Marx, Engels ou mesmo  Lafargue e José Fontana .
Cinco anos depois, num manifesto de trabalhadores portugueses dizia-se:
…”O profundo sentimento revolucionário que presidiu à proclamação da Independência Comunal de Paris não tem exemplo nas anteriores revoluções. Pela primeira vez o povo conheceu o que lhe convinha e levou a cabo um movimento tendente a realizar a inteira independência e absoluta liberdade”. (…)”Foi o estrondo da revolução parisiense que acordou o proletariado português e lhe gerou o desejo de se libertar do jugo de ferro que lhe imprimiam as outras classes sociais, dando-lhe sobretudo profundo sentimento de independência”. (…) “Se a terra ministra ao homem tudo quanto ele necessita, não pode por forma alguma ser possuída por alguns indivíduos que podem negar, se quiserem, a satisfação das necessidades dos outros. É para esta luta que se agrupam os trabalhadores e foi esta aspiração a dos COMUNALISTAS DE PARIS.  Operários , avante! Viva a revolução social!”
(“O Protesto Operário”, 18 de Março 1876 – extraído de “O despertar operário em Portugal”, de Edgar Rodrigues).
Bengalada em desagravo e em defesa de Louise Michel…
A anarquista francesa Louise Michel, deportada para a Nova Caledónia pela sua participação nas barricadas da Comuna, além de depois da pena, ter sofrido em Paris um atentado, tinha sido vergonhosamente insultada e enxovalhada pelo deputado monárquico Pinheiro Chagas no seu pasquim “O Repórter”, de Lisboa  de Janeiro de 1888. O jornal anarquista “Revolução Social”, do Porto, denunciou à opinião pública aquele ato miserável e, depois de alguma troca de artigos, apelou ao seu público e à vingança  popular contra aquele jornalista monárquico… Então, o anarquista de Lisboa e ali correspondente do “Revolução Social”, Manuel Joaquim Pinto, indignado,  enquanto distribuía o jornal anarquista na rua, encontrando Pinheiro Chagas,  deu-lhe uma bengalada na cabeça – tendo sido preso por isso e vítima de um processo odioso que acabou por ter como efeito, despertar e atrair a curiosidade de muita gente para o estudo das ideias anarquistas.
Este episódio , bem como os seus resultados na divulgação das ideias anarquistas em Portugal, é descrito entre as páginas 184 e 205 do mesmo livro de E.Rodrigues citado atrás…(também existente na biblioteca do SOV-Porto).

Hoje já pouco se usam as bengalas … Mas, e se se começasse hoje de novo a tratar desta forma os vómitos jornalísticos de alguns “vermes da caneta” reacionários,  como alguns que bem conhecemos?...


1975 -A “COMUNA DE LISBOA”?...

A propósito da Comuna de Paris -mas só simbolicamente relacionada com ela e no imaginário de alguns  – tampouco deveremos esquecer a forma como os movimentos que marcaram o fim “oficial” do PREC, em 25 de Novembro de 1975 eram tratados pelos corifeus europeístas da social-democracia e de outras correntes mais “conservadoras”, sobretudo em Lisboa e no Porto: nessa altura Mário Soares e outros, mobilizavam toda a contra-revolução prevenindo para os perigos da “Comuna de Lisboa” ( e do Porto também) clamando contra os que chamavam de “anarco-populistas”.
Ora, independentemente do facto de numerosas e muito diversas correntes políticas de esquerda e extrema-esquerda terem participado naquelas movimentações (algumas, diga-se, mais com medo de “perder o barco popular” do que outra coisa) , numerosos grupos e movimentos populares de base (como comissões de moradores, comissões de trabalhadores, assembleias de soldados , associações e outras iniciativas populares) se agrupavam na prevenção de uma possível deriva do 25 de Abril inicial a favor da burguesia – e mesmo do fascismo .  Então porquê o anátema “anarco-populista”?...  Talvez porque muitas das esperanças populares daqueles tempos tivessem no fim muito mais a ver com o anarquismo do que com qualquer outra corrente: a auto-gestão, a ação direta, a democracia direta das assembleias de moradores e de trabalhadores… Ou talvez muito simplesmente porque, para os tipos que são –ou que querem ser – PODER sobre o povo, “anarquismo”, “anarqueirada”, “anarca” é algo que , sendo afinal sinónimo de AUTO-ORGANIZAÇÃO, ANTIPODER, ANTIHIERARQUIAS, ANTI-ESTADO e ANTICAPITALISMO (privado ou estatal) é algo que temem como uma ameaça direta ao seu papel de representantes e intermediários privilegiados do (e bem pagos pelo) próprio povo…

O ABSURDO LENINISTA…

“Olhai para a Comuna de Paris…Era a ditadura do proletariado!”, dizia Lenine… Mas, se a Comuna de Paris tinha por base A ASSEMBLEIA DA COMUNA,-os delegados /representantes eram REVOGÁVEIS A TODO O MOMENTO, a organização do POVO EM ARMAS –e não uma organização militar especializada e separada dele, O FEDERALISMO revolucionário – e não o centralismo”, democrático ou não, a  UNIDADE REVOLUCIONÁRIA DE VÁRIAS TENDÊNCIAS DIFERENTES DO MOVIMENTO OPERÁRIO – anarquistas, socialistas, blanquistas, guesdistas, etc.,   o que haverá de comum de facto com a noção leninista e marxista da “ditadura do proletariado”?… Até porque, mesmo o órgão popular inicial da revolução russa, o SOVIET ou conselho de trabalhadores e de soldados, se começou por ser de facto um órgão popular de base, que agrupava trabalhadores revolucionários de várias tendências ( o que obrigou Lenine, quando veio do exílio a impor no seu partido o lema, “todo o poder AOS SOVIETES), cedo afastou, por várias formas “habilidosas”(a intriga, as campanhas de difamação, mesmo a eliminação física) os anarquistas e anarco-sindicalistas, os socialistas revolucionários, os “mencheviques”de esquerda, transformando a dita “ditadura do proletariado” na ditadura dos funcionários e “revolucionários profissionais” do partido bolchevique (tendência maioritária do Partido Operário Social-democrata Russo) e os sovietes em correias de transmissão desse partido. Os trabalhadores revolucionários e anarquistas, eles de facto seguidores do exemplo  da experiência da Comuna de Paris de 1871 , que se revoltaram em 1919 e 1920, contra essa ditadura (dita “do proletariado”) mas de facto do Partido Bolchevique e que lançaram o terrivel e justo lema “TODO O PODER AOS SOVIETES – mas não ao partido bolchevique e ao seu Estado”, e que tinham combatido a reação czarista e os “brancos” acabaram por ser traídos, fuzilados, esmagados, pelas hostes do partido bolchevique, em Kronstadt (Petrogrado) e na Ucrânia.

Se no livro de Lenine “O Estado e a Revolução” é apontado o exemplo da Comuna de Paris de 1871 para fazer passar a sua ideia da dita “ditadura do proletariado” aos trabalhadores revolucionários, quem leia atentamente um outro livro de Lenine como o “Que Fazer?” – onde é descrita detalhadamente a sua ideia centralista e autoritária da organização do Partido (“comunista”), ficará decerto com uma ideia diferente de que espécie de “proletariado” ele fala quando se refere a “ditadura do proletariado”… Aliás, a noção mais errónea e historicamente incorreta da necessidade de um tal partido, vindo “de fora para dentro” das classes trabalhadoras, para as “dirigir”, é a ideia leninista de que “pelas suas próprias forças a classe operária não pode chegar senão à ideia de necessidade de luta contra o patronato. (…) Dai a necessidade do Partido e de uma ideologia que foi criada e desenvolvida pelos INTELECTUAIS BURGUESES, para guiar os trabalhadores na sua missão histórica de acabar com o capitalismo “…
Esta ideia que acabou por ser combatida por uma revolucionária afirmadamente marxista, como Rosa Luxemburgo, contemporânea de Lenine, e que o acusava de ser “um jacobino de esquerda”, autoritário e desprezando o que ela chamava “espontaneidade das massas” (ler de Daniel Guerin “Rosa Luxemburgo e a espontaneidade revolucionária”)  , seria igualmente refutada tanto pelos movimentos operários e populares revolucionários, mexicano de 1910, ucraniano de 1918-21, espanhol de 1936-38, húngaro de 1956 – bem como pelos movimentos revolucionários anarquistas e anarco-sindicalistas da América do Sul (Argentina, Brasil, México…) dos anos 20.

O resultado do papel dirigente do Partido leninista e do Estado dito “socialista”, o papel de “grande guia dos trabalhadores” para acabar com o capitalismo (limitando-se afinal a substituir o capitalismo privado pelo capitalismo monopolista de Estado)  viu-se bem na implosão e no “suicídio” do “Estado Socialista Soviético“ e dos seus “satélites” , após cerca de 80 anos de dita “construção socialista”!

… E se hoje a R.P. da China, a R.P.da Coreia (do Norte) ou Cuba serão países de “ditadura do proletariado” ou de simples ditadura de um Partido de funcionários de Estado, burocratas, autoritários e TÃO CORRUPTOS e CAPITALISTAS como os das democracias (ou “democracias”?) ocidentais – e na verdade países de um misto de capitalismo de Estado com capitalismo privado?  Se esta dúvida ainda existe em muitos meios populares entre nós,  é porque afinal, apesar dos enormes e modernos meios de comunicação como a internet,  a opinião de alguns meios de trabalhadores que realmente ainda acreditam, como nós, na necessidade da REVOLUÇÃO SOCIAL , ANTI-CAPITALISTA e ANTI-ESTADO , continua a ser manipulada pelos aparelhos partidários –  conluiados com os poderes vigentes ( de quem esperam a aceitação remunerada do seu papel de “representantes dos trabalhadores e do povo”). Porque não convém de facto à burocracia partidária que os trabalhadores  e trabalhadoras com e sem trabalho e o povo DESCUBRAM que a sua própria força, se se AUTO-ORGANIZAR, é muito maior do que eles próprios supõem . E  que descubram que, ao contrário das conceções defendidas por Lenine e Marx, “ A LIBERTAÇÃO DXS TRABALHADORES/AS SÓ PODE SER OBRA DXS PRÓPRIXS – OU NÃO SERÁ LIBERTAÇÃO NENHUMA” – princípio que anarco-sindicalistas e anarquistas fazem seu, desde há muito.

De qualquer forma é certo que A MEMÓRIA e as EXPERIÊNCIAS da Comuna de Paris de 1871 não são propriedade nem monopólio nem de anarquistas, nem de marxistas, nem de nenhuma outra corrente de pensamento social. Simplesmente, os seus princípios, métodos e objetivos estarão mais perto dos que defendam aqueles que a Comuna no seu todo também defendeu – sem falsas interpretações históricas! Ler o livro referido mais acima de Alexandre Samis “Negras Tormentas”, é sem dúvida um bom contributo para isso .

VIVA A COMUNA! MORTE AO ESTADO E AO CAPITALISMO! VIVA O COMUNISMO LIBERTÁRIO!

(Aliberto Negro – Março de 2013)



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