A COMUNA DE PARIS DE 1871 E A SUA INFLUÊNCIA EM
PORTUGAL
A 18 de Março de 1871 o proletariado e o
povo parisiense, entalado entre a ameaça da invasão prussiana, a burguesia e o governo colaboracionista de Thiers e de
Napoleão III , proclamava a Comuna de Paris…
“Mais que “a última revolução plebeia” ou a “primeira
revolução proletária”, a Comuna foi uma experiência de autoinstituição, um
evento que possui autonomia; não apenas
por sua ousadia, mas por suas singularidades. Por tudo isso, tornou-se “uma
linha divisória dos tempos” – e, simultaneamente, dos pensamentos, costumes ,
curiosidades, leis e das próprias línguas – estabelecendo um antes e um depois
absolutamente antagónicos e aparentemente irreconciliáveis”. Processo no qual “a revolução é um nó-
simultaneamente resultado e mediação
para que a autotransformação da sociedade possa prosseguir”. Certamente
não foi o fim de um ciclo, menos ainda o início de outro; mas a fronteira, um
marco que não se presta a transformar-se em linha de chegada ou partida , mas
que definiu nas suas práticas concretas os elementos fundamentais da democracia
popular no seculo XIX”.
(da capa do
livro “NEGRAS TORMENTAS – O FEDERALISMO
E O INTERNACIONALISMO NA COMUNA DE PARIS”, de Alexandre Samis – edit. HEDRA, São Paulo, 2011 - nota: em consulta na
biblioteca/infoteca popular da Terra Viva!AES – Porto )
Em Portugal os
ecos da Comuna chegavam aos trabalhadores pela mão dos socialistas de então,
muito mais influenciados pelas ideias e pontos de vista de Proudhon e mais ou menos por Bakunine do que por Marx,
Engels ou mesmo Lafargue e José Fontana
.
Cinco anos
depois, num manifesto de trabalhadores portugueses dizia-se:
…”O profundo sentimento revolucionário que presidiu
à proclamação da Independência Comunal de Paris não tem exemplo nas anteriores
revoluções. Pela primeira vez o povo conheceu o que lhe convinha e levou a cabo
um movimento tendente a realizar a inteira independência e absoluta liberdade”.
(…)”Foi o estrondo da revolução parisiense que acordou o proletariado português
e lhe gerou o desejo de se libertar do jugo de ferro que lhe imprimiam as
outras classes sociais, dando-lhe sobretudo profundo sentimento de
independência”. (…) “Se a terra ministra ao homem tudo quanto ele necessita,
não pode por forma alguma ser possuída por alguns indivíduos que podem negar,
se quiserem, a satisfação das necessidades dos outros. É para esta luta que se
agrupam os trabalhadores e foi esta aspiração a dos COMUNALISTAS DE PARIS. Operários , avante! Viva a revolução social!”
(“O Protesto Operário”, 18 de Março 1876 – extraído de “O despertar
operário em Portugal”, de Edgar Rodrigues).
Bengalada em desagravo e em
defesa de Louise Michel…
A anarquista
francesa Louise Michel, deportada para a Nova Caledónia pela sua participação
nas barricadas da Comuna, além de depois da pena, ter sofrido em Paris um
atentado, tinha sido vergonhosamente insultada e enxovalhada pelo deputado
monárquico Pinheiro Chagas no seu pasquim “O Repórter”, de Lisboa de Janeiro de 1888. O jornal anarquista
“Revolução Social”, do Porto, denunciou à opinião pública aquele ato miserável
e, depois de alguma troca de artigos, apelou ao seu público e à vingança popular contra aquele jornalista monárquico…
Então, o anarquista de Lisboa e ali correspondente do “Revolução Social”,
Manuel Joaquim Pinto, indignado,
enquanto distribuía o jornal anarquista na rua, encontrando Pinheiro Chagas, deu-lhe uma bengalada na cabeça – tendo sido
preso por isso e vítima de um processo odioso que acabou por ter como efeito,
despertar e atrair a curiosidade de muita gente para o estudo das ideias
anarquistas.
Este episódio ,
bem como os seus resultados na divulgação das ideias anarquistas em Portugal, é
descrito entre as páginas 184 e 205 do mesmo livro de E.Rodrigues citado
atrás…(também existente na biblioteca do SOV-Porto).
Hoje já pouco se
usam as bengalas … Mas, e se se começasse hoje de novo a tratar desta forma os
vómitos jornalísticos de alguns “vermes da caneta” reacionários, como alguns que bem conhecemos?...
1975 -A “COMUNA DE LISBOA”?...
A propósito da
Comuna de Paris -mas só simbolicamente relacionada com ela e no imaginário de
alguns – tampouco deveremos esquecer a
forma como os movimentos que marcaram o fim “oficial” do PREC, em 25 de
Novembro de 1975 eram tratados pelos corifeus europeístas da social-democracia
e de outras correntes mais “conservadoras”, sobretudo em Lisboa e no Porto: nessa
altura Mário Soares e outros, mobilizavam toda a contra-revolução prevenindo
para os perigos da “Comuna de Lisboa” ( e do Porto também) clamando contra os
que chamavam de “anarco-populistas”.
Ora,
independentemente do facto de numerosas e muito diversas correntes políticas de
esquerda e extrema-esquerda terem participado naquelas movimentações (algumas,
diga-se, mais com medo de “perder o barco popular” do que outra coisa) ,
numerosos grupos e movimentos populares de base (como comissões de moradores,
comissões de trabalhadores, assembleias de soldados , associações e outras
iniciativas populares) se agrupavam na prevenção de uma possível deriva do 25
de Abril inicial a favor da burguesia – e mesmo do fascismo . Então porquê o anátema “anarco-populista”?... Talvez porque muitas das esperanças populares
daqueles tempos tivessem no fim muito mais a ver com o anarquismo do que com
qualquer outra corrente: a auto-gestão, a ação direta, a democracia direta das
assembleias de moradores e de trabalhadores… Ou talvez muito simplesmente
porque, para os tipos que são –ou que querem ser – PODER sobre o povo,
“anarquismo”, “anarqueirada”, “anarca” é algo que , sendo afinal sinónimo de
AUTO-ORGANIZAÇÃO, ANTIPODER, ANTIHIERARQUIAS, ANTI-ESTADO e ANTICAPITALISMO (privado
ou estatal) é algo que temem como uma ameaça direta ao seu papel de
representantes e intermediários privilegiados do (e bem pagos pelo) próprio
povo…
O ABSURDO LENINISTA…
“Olhai para a
Comuna de Paris…Era a ditadura do proletariado!”, dizia Lenine… Mas, se a
Comuna de Paris tinha por base A ASSEMBLEIA DA COMUNA,-os delegados
/representantes eram REVOGÁVEIS A TODO O MOMENTO, a organização do POVO EM
ARMAS –e não uma organização militar especializada e separada dele, O
FEDERALISMO revolucionário – e não o centralismo”, democrático ou não, a UNIDADE REVOLUCIONÁRIA DE VÁRIAS TENDÊNCIAS
DIFERENTES DO MOVIMENTO OPERÁRIO – anarquistas, socialistas, blanquistas,
guesdistas, etc., o que haverá de comum
de facto com a noção leninista e marxista da “ditadura do proletariado”?… Até
porque, mesmo o órgão popular inicial da revolução russa, o SOVIET ou conselho
de trabalhadores e de soldados, se começou por ser de facto um órgão popular de
base, que agrupava trabalhadores revolucionários de várias tendências ( o que
obrigou Lenine, quando veio do exílio a impor no seu partido o lema, “todo o
poder AOS SOVIETES), cedo afastou, por várias formas “habilidosas”(a intriga,
as campanhas de difamação, mesmo a eliminação física) os anarquistas e
anarco-sindicalistas, os socialistas revolucionários, os “mencheviques”de
esquerda, transformando a dita “ditadura do proletariado” na ditadura dos
funcionários e “revolucionários profissionais” do partido bolchevique
(tendência maioritária do Partido Operário Social-democrata Russo) e os
sovietes em correias de transmissão desse partido. Os trabalhadores
revolucionários e anarquistas, eles de facto seguidores do exemplo da experiência da Comuna de Paris de 1871 , que
se revoltaram em 1919 e 1920, contra essa ditadura (dita “do proletariado”) mas
de facto do Partido Bolchevique e que lançaram o terrivel e justo lema “TODO O
PODER AOS SOVIETES – mas não ao partido bolchevique e ao seu Estado”, e que
tinham combatido a reação czarista e os “brancos” acabaram por ser traídos, fuzilados,
esmagados, pelas hostes do partido bolchevique, em Kronstadt (Petrogrado) e na
Ucrânia.
Se no livro de
Lenine “O Estado e a Revolução” é apontado o exemplo da Comuna de Paris de 1871
para fazer passar a sua ideia da dita “ditadura do proletariado” aos
trabalhadores revolucionários, quem leia atentamente um outro livro de Lenine
como o “Que Fazer?” – onde é descrita detalhadamente a sua ideia centralista e
autoritária da organização do Partido (“comunista”), ficará decerto com uma
ideia diferente de que espécie de “proletariado” ele fala quando se refere a
“ditadura do proletariado”… Aliás, a noção mais errónea e historicamente
incorreta da necessidade de um tal partido, vindo “de fora para dentro” das
classes trabalhadoras, para as “dirigir”, é a ideia leninista de que “pelas suas próprias forças a classe operária
não pode chegar senão à ideia de necessidade de luta contra o patronato. (…)
Dai a necessidade do Partido e de uma ideologia que foi criada e desenvolvida
pelos INTELECTUAIS BURGUESES, para guiar os trabalhadores na sua missão
histórica de acabar com o capitalismo “…
Esta ideia que
acabou por ser combatida por uma revolucionária afirmadamente marxista, como
Rosa Luxemburgo, contemporânea de Lenine, e que o acusava de ser “um jacobino
de esquerda”, autoritário e desprezando o que ela chamava “espontaneidade das
massas” (ler de Daniel Guerin “Rosa Luxemburgo e a espontaneidade
revolucionária”) , seria igualmente
refutada tanto pelos movimentos operários e populares revolucionários, mexicano
de 1910, ucraniano de 1918-21, espanhol de 1936-38, húngaro de 1956 – bem como
pelos movimentos revolucionários anarquistas e anarco-sindicalistas da América
do Sul (Argentina, Brasil, México…) dos anos 20.
O resultado do
papel dirigente do Partido leninista e do Estado dito “socialista”, o papel de “grande
guia dos trabalhadores” para acabar com o capitalismo (limitando-se afinal a
substituir o capitalismo privado pelo capitalismo monopolista de Estado) viu-se bem na implosão e no “suicídio” do
“Estado Socialista Soviético“ e dos seus “satélites” , após cerca de 80 anos de
dita “construção socialista”!
… E se hoje a
R.P. da China, a R.P.da Coreia (do Norte) ou Cuba serão países de “ditadura do
proletariado” ou de simples ditadura de um Partido de funcionários de Estado,
burocratas, autoritários e TÃO CORRUPTOS e CAPITALISTAS como os das democracias
(ou “democracias”?) ocidentais – e na verdade países de um misto de capitalismo
de Estado com capitalismo privado? Se
esta dúvida ainda existe em muitos meios populares entre nós, é porque afinal, apesar dos enormes e modernos
meios de comunicação como a internet, a
opinião de alguns meios de trabalhadores que realmente ainda acreditam, como
nós, na necessidade da REVOLUÇÃO SOCIAL , ANTI-CAPITALISTA e ANTI-ESTADO ,
continua a ser manipulada pelos aparelhos partidários – conluiados com os poderes vigentes ( de quem
esperam a aceitação remunerada do seu papel de “representantes dos
trabalhadores e do povo”). Porque não convém de facto à burocracia partidária que
os trabalhadores e trabalhadoras com e
sem trabalho e o povo DESCUBRAM que a sua própria força, se se AUTO-ORGANIZAR,
é muito maior do que eles próprios supõem . E que descubram que, ao contrário das conceções
defendidas por Lenine e Marx, “ A LIBERTAÇÃO DXS TRABALHADORES/AS SÓ PODE SER
OBRA DXS PRÓPRIXS – OU NÃO SERÁ LIBERTAÇÃO NENHUMA” – princípio que anarco-sindicalistas
e anarquistas fazem seu, desde há muito.
De qualquer
forma é certo que A MEMÓRIA e as EXPERIÊNCIAS da Comuna de Paris de 1871 não
são propriedade nem monopólio nem de anarquistas, nem de marxistas, nem de
nenhuma outra corrente de pensamento social. Simplesmente, os seus princípios,
métodos e objetivos estarão mais perto dos que defendam aqueles que a Comuna no
seu todo também defendeu – sem falsas interpretações históricas! Ler o livro
referido mais acima de Alexandre Samis “Negras Tormentas”, é sem dúvida um bom
contributo para isso .
VIVA A COMUNA!
MORTE AO ESTADO E AO CAPITALISMO! VIVA O COMUNISMO LIBERTÁRIO!
(Aliberto Negro – Março de 2013)
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