terça-feira, 24 de abril de 2012

A propósito do despejo da Es.Col.A. da Fontinha, no Porto, em 19 de Abril de 2012


CRÓNICA DE UM ASSALTO POLICIAL

Como para além de trabalhadores e anarco-sindicalistas também somos “cidadãos” deste mundo e desta cidade, não poderiamos ter deixado, como outrxs companheirxs, de responder ao apelo para a defesa da iniciativa da Es.Col.A. da Fontinha, sabedores como somos dos esforços de todxs os envolvidos naquele projecto , moradores do bairro e apoiantes, das muitas horas de voluntariado “não oficial” mas real, por valores que estão muito para além dos actualmente dominantes (os do “empreendedorismo”, os do  “sucesso”, os do “mercado”etc...).
Assim, por volta das 9:30 da manhã e de acordo com a decisão anterior de todoxs xs intervenientes apoiantes, de utilização de métodos de defesa pacífica, perante a ameaça de despejo pela  polícia, postámo-nos cerca de 15  pessoas, a maioria jovens, sentados no chão e com os braços e pernas entrelaçados, em frente ao portão da Es.Col.A. que tínhamos antes barricado com alguns móveis. Outros vão para dentro do edifício e distribuem-se pelas várias salas.
Pouco antes das 10 h., galgando os muros e o portão, BUMBA! , cai-nos em cima o Estado o Capital  e a Propriedade privada, nas figuras de um enorme contingente de polícias de choque, bem artilhados, escudados, armados, capacetados, alguns com expressões de ódio cego ( de olhos vermelhos, alguns quase espumando...) lembrando samurais ou maus filmes policiais do robot-cop ...

 Um arrepio de surpresa e receio sente-se passar por alguns de nós. Partem algumas exclamações  animosas : “olha, parece que estão na Bósnia”... “ vêm-nos proteger?”... e acto contínuo, enquanto com rebarbadeiras uns agentes serram as portas de acesso ao edifício ( e mais tarde o mastro da bandeira e ...a única árvore que havia no quintal!...) os restantes esforçam-se para nos desapertar uns dos outros, com recurso à brutalidade técnica habitual, com golpes de imobilização, quase nos partindo dedos e mãos, espetando-nos os dedos nas costas  ou arrastando pelo chão alguns de nós.  Somos então conduzidxs para a sala de estar do projecto, ao lado da cozinha, onde somos identificadxs e revistadxs. Alguns de nós returquem aos “senhores agentes” que eles não sabem o que estão a fazer, perguntam se dar apoio pedagógico .às crianças do bairro, desenvolver com elas actividades como música, dança, ginástica, pintura é “terrorismo”...Perguntam-lhes se também têm filhos pequenos...Mas ali nada mais entra , mostram-se “super controlados” e alguns desviam mesmo o olhar quando falamos com eles ou os olhamos directamente . A maioria funciona como robots programados, não querendo revelar qualquer emoção...
Entretanto ouvem-se gritos vindos dos andares do prédio da Es.Col.A. onde o ataque prossegue contra os companheiros pendurados com cordas, nas janelas ou nos vãos do prédio. Sabemos depois que um dos jovens do bairro, que defendia material pedagógico da senha destruidora dos polícias, foi espancado... Que valentes!...
Ficamos então à guarda de cinco “samurais” de olhar duro e entediado. Alguns não terão mais de 30 anos mas a maioria são quarentões e cinquentões. É nessa altura que aparecem uns tipos à paisana e de passa-montanhas preto enfiado na cabeça... Serão os “paisanos” que se tentaram infiltrar nas últimas manifestações no Porto? Quem serão ? Há alguns com pouco aspecto policial e que nos olham curiosos... (vimos a saber depois que são bombeiros, alegadamente enganados pela polícia para uma “operação de treino em despejos”... Mas a maioria deles aparenta ter uma relação bastante cordial com os polícias, não parece nada “ludibriada” e até trocam piadas com eles... Afinal, é tudo rapaziada da pesada, habituada a despejos de moradores pobres e outros actos repressivos do género, não?!...).
Lá fora continuam os ruídos de destruição de materiais e equipamentos lançados pelas janelas.
Um de nós esboça um gesto nervoso para fumar um cigarro mas é violentamente advertido por um dos samurais de que “não pode fumar!”...Só quando um dos “graduados” inadvertidamente  puxa por um cigarro é que, perante a contradição da situação um outro anui que se o deixe fumar...
Entretanto somos advertidos de que temos de desligar os telemóveis , que não podemos comunicar com eles nem com ninguém...   Também reparamos e comentamos entre nós o facto de que nenhum dos “samurais” tem placa identificativa pessoal, mesmo alguns “graduados”...
Algum tempo depois – que nos parecem uma eternidade – somos avisados de que nos vão deixar sair em pequenos grupos . Ao atravessar o pátio notamos a senha destrutiva:  mobiliário, materiais de pintura, livros, cadernos, jogos infantis, equipamentos desportivos, material de cozinha, tudo lançado pelas janelas ,  tudo destruído como se tivesse passado por ali uma praga de gafanhotos... Até a árvore cortaram... (decididamente a policia e a CMP são anti-ecológicas...). Salvo a devida proporção, lembro-me da descrição da destruição da aldeia de Oradour Sur Mer pelos SS na França ocupada...
Entretanto somos conduzidos à rua pela parte superior da Fontinha, passando entre filas de “senhores agentes”, alguns com boinas vermelhas de comandos e unidades anti-terroristas. É então que sabemos do cobarde espancamento dos “samurais” ao Pedro e que ele mais dois companheiros foram detidos na “super-esquadra” da Rua do Heroísmo...
Estes tipos conseguiram mesmo transformar a pacífica Fontinha num cenário de invasão militar. E penso com os meus botões: “...E se em vez de pacíficos jovens e moradores, eles tivessem tido que enfrentar piquetes operários, revoltados,  preparados para o embate,  como há uns anos nos estaleiros de Vitória e nalguns episódios do PREC português e das últimas greves?... Seriam tão “valentes” ?...

J.R.Paiva  (da AIT-SP / SOV-Porto)


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