A ATUALIDADE DO ANARCO-SINDICALISMO E DA INTERVENÇÃO
LABORAL
Correndo muito
embora o risco de, no contexto do cenário atual do anarquismo em Portugal,
poder ser tomado como uma espécie de “anarco-paleolítico” frente a derivas mais
modernaças, pós-modernistas e
pós-industriais do anarquismo, quero no entanto correr esse risco, dado que não
será decerto sem os correr que se poderá dar mais algum passo em frente que
seja, num tema que há anos me preocupa: a ligação do anarquismo, da/s corrente/s
libertária/s e dos coletivos e pessoas
individualmente isoladas que com esses ideais se identificam, ao comum das
pessoas mais atingidas (não pontualmente apenas, mas sobretudo estruturalmente)
pela atual situação de “crise”, com o seu desfilar de misérias várias ao nível
mais elementar –o da sobrevivência material: alimentação, habitação, saúde,
etc.) pessoas essas que NÃO SÃO anarquistas mas com quem necessitamos de
estabelecer relações de apoio mútuo. Também se pode chamar a isso “recuperação
do vetor social do Anarquismo”.
Passando por cima da
interpretação mais vulgar (e errónea) entre alguns dos nossos meios
libertários/anti-autoritários, que vêm o anarco-sindicalismo como uma espécie
de revivalismo balofo do passado, como uma espécie de romantismo para consumo
de “velhinhos” e de alguns mais jovens
recém-vindos às nossas lides, ou simplesmente como uma visão desatualizada e
falha de uma interpretação mais “realista” dos tempos presentes, começarei simplesmente
por dizer, sem qualquer pretensiosismo a ser detentor de qualquer verdade única
e acabada , mas talvez com algum azedume devido ao facto de após 20 ou 30 anos
de experiências libertárias em Portugal, pouco ou nada, por diversos motivos,
haver resultado em termos orgânicos e de alargamento do espetro libertário :
ATUALIZEM-SE VOCÊS!... E o porquê deste apelo irei tentar explicá-lo
de seguida .
Em primeiro lugar
direi que nunca nos últimos trinta anos nos deparámos com uma tão grande
degradação dos chamados “direitos laborais”, nunca então como agora assistimos
à imposição de condições tão graves e miseráveis sobre a maioria dxs que, de
fato de macaco, de avental, de bandeja, de computador ou de caneta ou de
vassoura na mão , de “jeans” e camisola ou de bata, continuam a depender de um
SALÁRIO e do trabalho ASSALARIADO para sobreviver.
Paralelamente, nunca
nestes últimos 30 anos o nível de ACIDENTES DE TRABALHO e de DOENÇAS
PROFISSIONAIS, nunca os ritmos e horários de trabalho, nunca a PRECARIEDADE
nessas relações entre DESAPOSSADOS de meios de produção e PROPRIETÁRIOS (privados
ou estatais) de meios de produção foram
tão graves como agora.
É que
desgraçadamente, continuam a só haver para a maioria das pessoas duas opções de
vida (embora muitos de nós saibamos que podem haver outras – a construir solidariamente*): ou te alugas ao dia, à hora
, ao mês, à peça, “por conta de outrem”
ou passas fome, ficas sem luz, perdes a casa…
Na melhor das hipóteses , trabalhas muito e recebes cada vez menos -o
que mal te dá para viver. Eventualmente
poderás trabalhar por conta própria se tiveres um qualquer saber mais ou menos
especializado e conseguires
individualmente viver desse serviço ou capacidade. Mas a maioria das
pessoas não o tem e enchem as filas de espera nos “centros de emprego” sem
qualquer hipótese de um trabalho, por mais explorado e nas piores condições que
seja , que lhes permita viver. E como têm estas pessoas uma chance de
sobreviver? Quem teve a possibilidade de descontar alguns anos para a
“segurança social”para garantir um subsídio de desemprego durante algum tempo
(agora menos do que antes) sobreviverá … até que passe depois a receber o RSI
–com o qual estará em condições apenas de ou dormir na rua ou de comer (se o
receber) – e por isso há cada vez mais gente a dormir nas ruas. Em todo o caso
terá de optar por uma das duas coisas: ou comer ou ter um teto !
Do “sindicalismo
oficial” (CGTP /PCP)poderá esperar pouco mais do que participar nas suas
“procissões” , reclamações e reivindicações -que visam conservar e não acabar
com a raiz dos seus males: o capitalismo e as suas instituições. Poderá ter a
possibilidade de “uma outra política” mas não deverá desejar o fim da
exploração do capitalismo e da dominação e parasitismo do Estado – e que atribuirá a tais sindicatos o papel de
“bombeiro social” , de “representante” e de controlador da vontade dxs
assalariadxs – não vão eles reclamar “o
impossível”- certamente que através dos
novos governantes “patrióticos “ e com “uma outra política”...
Ao contrário de outras centrais sindicais
europeias, como a actual CGT e CFDT francesas, ou outras, não se afigura viável sequer dentro
da CGTP ( e muito menos, por outras razões, na UGT) criar aí ao menos uma
tendência ANARQUISTA frente ao férreo controlo e monolitismo partidário do
PCP. Tampouco temos as mesmas condições
históricas e sociais para conseguir fazer surgir algo como a CNT espanhola –
uma central sindical de orientação anarquista- assim do pé para a mão- nos
próximos tempos. Uma organização anarco-sindicalista como a CNT/AIT , em forte
desenvolvimento em Espanha, na atualidade , que tem como reivindicações
laborais NÃO aquilo que a burguesia e o estado espanhois podem conceder mas sim
exatamente aquilo que eles NÃO PODEM
CONCEDER , na situação atual, sem se porem a si próprios em causa. As propostas
da CNT de “partilha do trabalho e das riquezas” são , por exemplo: contra o
desemprego semana de 30 horas sem reduções de salários, prolongamento do tempo
-e montante- do “subsídio” de desemprego enquanto o desemprego durar,
interdição de horas extras e de pluri-emprego, fim dos estágios e das práticas
gratuitas nas empresas: TODO o trabalho tem de ser dignamente remunerado, cobertura
geral do desemprego com montante permitindo a satisfação das necessidades
básicas, entre outras reivindicações, e naturalmente, frente ás ameaças de
encerramento das empresas, a sua OCUPAÇÃO pelos trabalhadores e a sua
AUTOGESTÃO.
É só aparentemente ilógico na nossa situação em Portugal, que em lugar
de integrar a grande “CGTP” (ou a pascácia “UGT”) nos ponhamos a fazer
“sindicatos novinhos em folha” – como criticava o caporal bolchevique Lenine.
De facto, necessitamos certamente nós também, anarcosindicalistas ( e
anarquistas) portugueses de estar também “onde estão as massas”trabalhadoras-
sobretudo onde possamos criar contra-tendências e divulgar as nossas próprias
propostas…Considerando porém que já quase metade dxs trabalhadoras/es
portugueses são precários e desempregadxs, que surgem outros movimentos ( na
maior parte dos casos com forte controlo de um outro partido, o BE ), tanto de
desempregadxs como de “de cidadãos”, e não desprezando a eventual possibilidade
de neles (caso a caso, região a região e
local a local) podermos estar presentes, claramente com PROPOSTAS ANARQUISTAS,
de objectivos, acção e organização –assemblearismo, democracia direta,
antiparlamentarismo, anticapitalismo, ação direta e apoio-mútuo- optamos também
por irmos, onde e como nos fôr possível, organizando pequenos sindicatos de
ofícios vários, núcleos locais, secções de empresa, comités e assembleias populares
e de desempregadxs , iniciativas contra os preços e condições dos “serviços
públicos”, círculos de estudos e formação anarco-sindicalista, apoio sindical e
social, experiências de “economia alternativa” e até iniciativas
sócio-ambientais – sobretudo nos meios sociais mais tocados pela “crise”e nos
meios laborais e populares onde os problemas ecológicos e de “higiene e
segurança” são mais agudos.
Claro que tudo isto
é um enorme e vasto programa de ação que só será possível levar a efeito se , quer
dentro da AIT-SP quer noutros coletivos e meios libertários, cada um/a assumir
na primeira pessoa as suas responsabilidades como anarco-sindicalista e /ou
como anarquista, de forma convicta e consequente. Nada aparece feito e acabado
vindo do nada e…temos todxs muitíssimo a fazer. Mas é nesta situação de quase regresso às
condições sociais de há cem anos que pode (re)surgir entre nós o
anarco-sindicalismo como estratégia anarquista ( naturalmente que entre outras
possíveis) e tendo em linha de conta as condições diferentes do mundo atual –
mas no qual subsistem, mesmo que com outras formas, as mesmas desigualdades,
explorações e dominações próprias do capitalismo e da sociedade hierárquica de
sempre – com a agravante de o seu “desenvolvimento” poder pôr em causa – se não
fôr travado à escala planetária– a própria existência do planeta e da
humanidade. Daí que cada vez mais seja necessário ver a Revolução Social
libertária, não como um qualquer momento heroico mas sim com um processo que
começa exatamente com a tomada de consciência da sua inevitabilidade e da
consequente auto-organização funcional e atuante dxs libertárixs, isto é dxs anarquistas,
anarco-sindicalistas e anti-autoritárixs, passando pelo assumir do seu papel
como CATALIZADORES dos movimentos populares e de trabalhadores, da sua
iniciativa de base.
Beneficiando das ligações orgânicas que temos
à anarco-sindicalista AIT/IWA , com estruturas semelhantes à nossa ou em
formação, em mais de 15 países, não nos
sentimos sós dentro da nossa pequena dimensão nacional e regional. Outros como
nós noutros países e continentes enfrentam como nós este desafio e é bom
podermos contar com o intercâmbio de experiências com companheirxs, numa tão
grande variedade de países e culturas- além de ser na nossa própria realidade
social e cultural que nos teremos de inserir, sem esquecer que à cultura e
sub-culturas dominantes (o pcp-ismo é uma delas)teremos sempre de opor a rica e
multifacetada cultura libertária, anarquista e anarco-sindicalista, regional,
nacional e internacional.
Para além da AIT/IWA
anarco-sindicalista, como o demonstrou o último Encontro Internacional
Anarquista em Saint-Imier, na Suiça, outras experiências especificamente
anarquistas, organicistas e sociais se movem e intercompletam neste mundo– e
opondo-se a ele , por um mundo libertário : a IFA (internacional de Federações
Anarquistas) e outras, igualmente com linhas de atuação também no “mundo
laboral”- ZALABAZA na África do Sul, FARJ no Brasil, AF britânica e irlandesa,
etc… Mas mais perto, aqui ao lado em
Espanha, temos até um bom exemplo da complementariedade entre as organizações
especificamente anarquistas, como a FAI (Federação Anarquista Ibérica) e a CNT anarco-sindicalista.
Desprezar estes
factos e a inspiração e pistas que eles nos podem fornecer na atualidade, nas
nossas lutas e organização aqui, continuando a limitarmo-nos a ver o mundo à
imagem do “portugal dos pequeninos” e os
coletivos e realizações já possíveis aqui recentemente (Feiras do Livro
Anarquista, Manifestações, iniciativas como a Es.col.a do Porto, etc.), como
acontecimentos isolados, pontuais e circunstanciais, sem ligação a quaisquer programas,
estratégias de intervenção e etapas possíveis seguintes , é que nos pode fazer ser
apanhados pelos acontecimentos, sem aproveitarmos os tempos presentes em que as contradições do sistema atual
ganham maior visibilidade, para alargarmos a influência dos pontos de vista e propostas sociais
ANARQUISTAS e ANARCO-SINDICALISTAS e nos organizarmos como tal e fazer avançar
os movimentos sociais “de base”e a revolução social como processo.
Pela organização anarquista e
anarco-sindicalista! Pela recuperação
do vector social perdido!
Pelos movimentos de
trabalhadores e populares! Pela Revolução Social!
Unidxs e organizadxs nós damos-lhes a
“cri$e!...
Esperemos que neste
Conferência Libertária consigamos ao menos gizar meios de articulação entre as
várias sensibilidades libertárias, mais viradas para a recuperação do tal
“vector social” - que não recuperámos mais desde os anos 20 e 30- do que para
os meros choques de personalidades e reafirmação de posições irredutíveis de “cada um no seu cantinho”. E que se
diferenças e contradições há por aclarar e resolver, que o façamos francamente sem
caixas encoiradas nem passagens de atestados de menoridade subtis a uns em
detrimento de outros. É normal que novas afinidades e desafinidades surjam –
não temos afinidades (de carácter, gostos, predileções, inclinações) com quem
as quer que as tenhamos mas com quem as temos de facto, naturalmente. Mas não será por isso que, cada um no seu
coletivo ou individualmente, deixaremos de ser solidárixs , comunicantes, cúmplices e comumente atuantes no que demais tenhamos em comum.
J.R.Paiva ( da AIT-SP/Sindicato de Ofícios Vários do
Porto)
*E a este propósito,
há uma coincidência interessante de posições entre o livro “Os caminhos da
Anarquia” , de M.Ricardo de Sousa e muito do que foi abordado e discutido na
última Conferência sobre Economia Alternativa, em Madrid, em Novembro de 2011,
pela anarco-sindicalista CNT/AIT …Mas isto ficará para uma outra ocasião ( que
será breve, ainda este ano…).
38 anos depois,não vale a pena despertar consciências.ou sindicalizar gente sem tempo... aconselhar o boicote aos compromissos,(e os financeiros tem-nos pelo quilhões)é também utopia.só resta fazer o que os professores não fizeram ou não se fizeram ouvir...
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