Sindicato de Ofícios Vários do Porto

Resenha cronológica da luta dos trabalhadores da Cerâmica   de Valadares:

31 Janeiro

Frente aos atrasos no  pagamento dos salários (alguns já verificados durante o Verão passado), os trabalhadores decidem concentrar-se toda a noite, acampando à porta da empresa e bloqueando entradas e saídas de viaturas até que os salários em atraso sejam pagos;

                                                                                                   


2 Fevereiro                                                                                                     

Mais de uma centena de trabalhadores realizam uma manifestação de protesto através das ruas de Valadares, recusando a proposta dos patrões de pagamentos dos salários de Dezembro em 3 de Fevereiro e os de Janeiro a 17 de Fevereiro - já que se sabia que estes pagamentos ainda estariam dependentes de um negócio da administração com um eventual cliente;

A manif. é realizada por parte dos trabalhadores, mantendo-se os restantes no piquete à porta da fábrica. Galvão Lucas, um dos admínistradores, ameaça fazer intervir a polícia contra aquilo que chama "um grupo de agitadores" - na realidade a esmagadora maioria dos trabalhadores da fábrica, fartos de aldrabices e falsas promessas.

3 Fevereiro
A CGTP apela ao governo , numa reunião da "concertação social" , para que "intervenha" no caso da Ceramica de Valadares através  da mesma linha de crédito (PME crescimento) que está a apoiar os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, tendo sido referido pelo ministro da economia Álvaro Santos Pereira que existe um "gabinete de crise" e que com ele analisa" já há quatro meses o caso da Cerâmica de Valadares" (sem no entanto nada fazer sobre o assunto...).


4-5 Fevereiro
A administração afirma poder garantir aos trabalhadores o pagamento dos salários em atraso graças a possível adiantamento de uma encomenda da empresa Hagen. Na mesma altura adianta que "apesar das dificuldades de tesouraria" a empresa "mantém um alto nivel de de encomendas que permite a sua viabilidade já que exporta 70% da sua produção para cerca de 50 países"...


6 Fevereiro
Na continuação de uma semana de bloqueio pelos trabalhadores - neste dia pela primeira vez TOTAL - e da reunião da administração com eventuais clientes, a administração diz "garantir" que os salários dos dois meses em atraso poderão ser pagos nos próximos dias.  Os trabalhadores reafirmam a sua vontade de manter o bloqueio até os salários em atraso serem realmente pagos, esperando que a administração reúna com eles para informar dos seus planos  sobre como e quando isso será feito, condicionando a essa informação outras possíveis medidas a tomar por parte dos trabalhadores;

8 Fevereiro

 Os trabalhadores invocando a inconstitucionalidade do procedimento da administração, que acusam de tentativa de "lock-out" parcial, apresentam uma queixa-crime na PSP contra a administração da empresa

 O PCP  continua a estar presente no apoio à luta dos trabalhadores, providenciando a alimentação para os  ocupantes e tentando à noite animar a ocupação e os piquetes com música de intervenção - não sem alguns protestos do vizinhos...-  tendo-se  também o seu dirigente Jerónimo Martins deslocado às portas da fábrica . Segundo alguns dos seus elementos, terá aumentado o nº de aderentes àquele partido entre os trabalhadores desta empresa, desde o início do seu apoio a esta luta.

 Elementos da AIT-SP /SOV do Porto, deslocam-se também à entrada da empresa, entrando em contacto com os trabalhadores, e com elementos da sua comissão de trabalhadores e comissão sindical (Sindicato da Indústria Cerâmica da CGTP) sendo o seu comunicado de apoio (vide : "VIVA A JUSTA LUTA D@S TRABALHADORAS/ES DA CERÂMICA DE VALADARES! Sigamos o seu exemplo" ) distribuído pela quase totalidade dos trabalhadores em luta - com o apoio de elementos da Comissão de Trabalhadores. Neste comunicado acusa-se a "entidade patronal" da empresa de "terrorismo patronal", exortam-se os trabalhadores a prosseguir a sua luta exemplar e aponta-se uma possível saída para a situação - a AUTOGESTÃO - caso a administração da empresa prossiga com as suas falsas promessas e atrasos nos salários - comunicado este que é muito bem recebido pelos trabalhadores. Muitos dos trabalhadores falam do dinheiro mal gasto pela administração nas suas festarolas de "caça aos clientes", numa quinta ali perto - apesar de a empresa ser algo onde, segundo as suas palavras, "entra terra e sai ouro"...Também contam como num passado recente, subsídios de férias e de natal, foram pagos aos trabalhadores  pela administração com ...sanitas, banheiras e lavatórios(!), de como o "apoio" da Camara Municipal de V.N.de Gaia se resumiu a pouco mais que palavras .E falam também das más condições de higiéne e segurança de algumas das secções da fábrica...

10 Fevereiro

 @s trabalhadoras/es  reúnem de manhã  em plenário, fora da empresa e decidem impôr duas condições para regeressarem ao trabalho:

1- compromisso por parte da administração de não levantar quaisquer processos disciplinares aos trabalhadores que participaram no bloqueio à empresa ;

2-pagamentos dos 12 dias de protesto junto à fábrica.

Finda a reunião, os trabalhadores regressaram à empresa onde estiveram até cerca das 13:30 horas reunidos com a administração.

 Entretanto , do lado de fora, elementos da AIT-SP/SOV-Porto presentes, falavam com trabalhadores da fábrica e com outros apoiantes da luta -a maioria destes, militantes e funcionários do PCP- explicando estar ali sem veleidades de "concorrer" com a sua "máquina " mas sim de a complementar , propondo fazer o que nos estiver ao alcance para apoiar os trabalhadores em luta e difundir as nossas propostas.  Na altura entregámos aos trabalhadores um cartoon que nos tínhamos comprometido com alguns trabalhadores , na nossa anterior deslocação, a fazer, caricaturizando a "excelência" dos principais administradores da empresa...Tivemos depois de ir tirar mais cópias pois as que tínhamos levado não chegaram para os trabalhadores que queriam ter uma.

 Também falámos com os elementos do grupo do PCP de Gaia que estavam a providenciar a confecção e a distribuição gratuíta de refeições aos trabalhadores em luta, no sentido de podermos contribuir com uma possível campanha de solidariedade, na recolha de alguns artigos alimentares junto de amigas vendedeiras do Mercado do Bolhão e de padarias e pastelarias no Porto. Chegámos mesmo a ficar com contactos para que pudéssemos concentrar os artigos na nossa séde para que viessem depois com uma carrinha buscá-los  mas tal acabou por não ser necessário com o desfecho da luta a favor dos trabalhadores da Cerâmica de Valadares nos dois dias seguintes...

 Nos momentos que se seguiram após a reunião com a administração - que cedeu às reivindicações dos trabalhadores - houve alguma comoção, no meio de muita alegria pela vitória alcançada...

11 Fevereiro

 Grupo de cerca de 50 trabalhadores da Cerâmica de Valadares, enquadrados por elementos da Federação Sindical da Construção, Cerâmica e Vidro, da CGTP, concentraram-se em Lisboa, frente à residência oficial do 1ºministro, deixando documentos com os seus protestos e reclamações ( entre elas a de "activar linhas de apoio à empresa") aos polícias de guarda ao local, sem terem sido recebidos por ninguém do gabinete do 1ºministro, ao contrário do que esperavam...

13 Fevereiro

 Formalização do acordo entre os trabalhadores e a administração da empresa. Os salários de Janeiro serão pagos até  20 de Fevereiro e não haverão processos disciplinares contra os trabalhadores. O bloqueio da fábrica é levantado e tudo parece voltar "à normalidade"...

20 Fevereiro

 Os salários de Janeiro em atraso são pagos mas...

 durante o resto do mês de Fevereiro e inícios de Março de novo surgem dúvidas entre os trabalhadores relativamente à continuação da laboração da empresa...

Março

 Os salários de Março são pagos aos trabalhadores só em parte - apenas 450€ a cada dos cerca de 380 trabalhadores ainda na empresa.

12 Abril

 Fomos, dois elementos  do SOV-Porto, Quinta-feira de manhã a Valadares. O que conseguimos saber foi:

 - a totalidade dos salários de Fevereiro já terá sido paga aos trabalhadores;

- a administração alega falta de matérias primas para que a empresa continue a laboração em pleno;

- por esse motivo mais de 40% dos trabalhadores foram mandados para casa aguardando a possibilidade da continuação da laboração normal na empresa estando-se já a aplicar de alguma maneira a medida governamental do "banco de horas"...

  À hora do almoço, falámos com alguns trabalhadores fora da portaria e notámos ser o clima entre eles de algum desânimo - embora com a consciência de que a situação na empresa não é uma situação isolada e tem muito a haver também com as últimas medidas do governo de alterações ao código laboral, em parte encomendadas por troikas e FMI e de recuperação capitalista em curso "à pala da "crise". Nota-se alguma revolta e amargura frente à situação actual.

Epílogo ou começo de algo novo?...

Para que a luta dos trabalhadores continue de facto será necessário algo mais que discursos, promessas e apoios exteriores. O fundamental são eles próprios e a sua vontade de lutar - e os patrões e o governo  sabem que ninguém nesta altura aguenta indefinidamente uma luta ofensiva permanente, e que existe cansaço... Mas também sabem que a maioria continuará a resistir pois é a sua própria sobrevivência e dignidade que estão em causa e que é perigoso para eles próprios, patronato e governos, confrontarem-se com quem já nada tenha a perder... 

  E se uma possível solução  terá também algo a haver com as propostas  que fazemos, contudo nem nós, nem ninguém, nem nenhum partido poderá decidir pelos próprios trabalhadores  o que fazer.  A AUTOGESTÃO poderá ser uma possibilidade mas não sem algumas premissas, nomeadamente sem o controlo operário de toda a economia e contas da empresa, e que passa pela sua ocupação permanente - como já se vai tentando fazer tanto na Grécia como em Espanha - e não sem a auto-organização dos próprios trabalhadores em Assembleia soberana, livre e tomando decisões em DEMOCRACIA DIRETA e APLICANDO-AS  todos os trabalhadores, organizados também em diferentes grupos de trabalho que possam abarcar em diferentes tarefas, coordenadas em assembleia, a maioria deles  e não apenas um pequeno grupo "mais avançado".

 Não há livros de receitas, não há soluções acabadas mas, como o provam exemplos vários dos últimos anos de inúmeras lutas de trabalhadores contra o encerramento de empresas (na América Latina como em muitos outros lados) , a necessidade cria a possibilidade porque aguça a imaginação e o engenho...E a informação sobre experiências concretas noutros lados também poderá ajudar.  Estejamos atentos pois nada é pior do que fecharmo-nos em nós mesmos isolando-se dos demais. A informação ajuda a imaginação e esta impulsiona a acção que transforma a realidade.  E isso é o que nem patrões, nem profissionais dos problemas dos outros querem que se faça...

Porque se de facto "um mundo novo é possível", ele só poderá ser um mundo SEM CAPITALISMO, NEM PRIVADO NEM DE ESTADO, SEM A EXPLORAÇÃO NEM A DOMINAÇÃO DE UNS POR OUTROS, SEM MANDADORES NEM MANDADOS - UM MUNDO DE IGUALDADE E DE ENTRE-AJUDA. O MUNDO DO COMUNISMO LIBERTÁRIO.

Cada luta dos trabalhadores e do povo contra os seus exploradores e opressores é um passo mais nesse sentido

ZP. do SOV-Porto/ AIT-SP

Nota:

No jornal "Valadares & a Cidade em Foco", de Março de 2012, faz-se amiúde referência ao apoio , de facto constante, à luta dos trabalhadores da Cerâmica de Valadares por parte do PCP... Mas não se referencia sequer o nosso comunicado ou a nossa presença e a nossa disponibilidade - talvez por a nossa organização ser mais ou menos recente... Ou será antes que este jornal também terá interesses na manutenção da hegemonia e da ideia da unicidade daquele partido e daquela corrente sócio-política nas movimentações  sociais que vão surgindo?...